Ossos selvagens - poemas - marcos samuel costa


 

 Ossos selvagens

 

 



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Os pesadelos são  

traumas que caminham

 

        sons sem vértice

                        

 

                         no estômago

ao fundo fungos

dos sentidos da memória

                                              da noite-chuva

 

que desce em água pedra gelo

granizo

 

úlcera enraizada

 

corpo adoece

 

viver não importa 

organicamente plantamos tomate

e os colhemos

 

crescem-morrem,

plantas pessoas

irmãos amantes

 

na parede das cavernas

arte-rupestre

 

ilustra isso

 

          imagens de sexo

caça

                e quotidiano

 

                                          a acústica

 

da tempestade     

é um artefato                                  

 

é a parte que nos torna assassinos





(---)

 

 

                                      matar meu irmão em mim

 

era uma saída necessária

 

 

pedirei para sempre perdão

 

 

                             porém, o mataria continuamente

 

 

 

 

                                      matar meu irmão em mim

 

era uma saída

 

 

não pedirei perdão coisa alguma, morrer faz parte da vida

 

 

                             o mataria continuamente

 

 

(---)

 

 

Ossos selvagens nas nuvens         

                                          de chuva   

     

                                                        Tales se tornou água

barro, pó

 

matei-o no início de uma noite

 

                            de maio

 

todos os vulcões do mundo dormiam suas

paixões

 

os vulcanologistas anotavam em seus

blocos de papel

 

a maravilha de um mundo

                                         sem destruição

 

 

feitas-de-fogo para no canto ferir

 

insetos

o último-suspiro

desague em outro mar

 

as

antigas canções tomam conta das dívidas

 

urram no telhado

 

matar meu irmão era a forma

dos meus pais me olharem

 

 

 

(---)

 

 

manhãs velozes ruíram

 

                                      o carbono das fotografias

 

Tales não ficou registrado em nenhum álbum da família

 

queimei todas as suas fotografias

 

                             na velocidade que

 

             os túmulos se desfazem, se lascam

 

a certeza dos arqueólogos

                                           experientes

 

serpentes nos blocos  

 

de anotações

as mãos afastam a manhã

 

um estrago:

 

passagens de cálcios

 

 

os arqueólogos um dia encontraram

seus restos mortais

 

no futuro

 

num futuro em que se interessam

em ossos sem identificação

 

até lá, Tales é nuvem de chuva

pesada

 


(---)

 

 

meses de sol

 

            no tropico úmido

 

pecado primorosamente executado

 

Tales era arqueólogo e isso me causava

inveja

              

                    queria ser eu quem escavasse

os mistérios do mundo

 

os artefatos cansados

                                 ossos quebrados

a arte forense de

 

                         desabar

 

mas fora ele que se destacou nessa tão rara

 

habilidade de ir nas profundezas

 

 meses de sol

 

seco-vento o tempo

runas-ruínas

rebentam

 

em ondas hordas de conchas

 

sambaquis

 

               mas nada revelam

 

do futuro, areia – mar calmo

 

as roubas de banho secam

 


(---)

 

passeio nas águas dessa

morte             

estradas-rios-cascatas

 

nenhuma outra forma

diz o retorno

 

inconsciente

 

no coração de-briga.

 

Tales é morto e eu assassino

 

 

as águas de depredação

estão vivas

 

respiram comem

se sentam à mesa comigo

 

tomam o café amargo

 

dos que no coração tem o terror

 

 

desenhos em folhas amarelas

brinquedos antigos

 

a presença de meu irmão

 

é um pesado passeio

 

pelo inferno




Marcos Samuel Costa nasceu em Ponta de Pedras/Marajó/Pará. É de origem ribeirinha. Foi finalista do Prêmio Mix Literário em 2021 e 2023. Venceu o Prêmio Dalcidio Jurandir 2019 e foi semifinalista do Prêmio Oceanos 2024. Livros publicados: Dentro de um peixe (Romance, ed. Folheando 2019), O cheiro dos homens (IOEPA 2021), No próximo Verão (poemas, ed. Folheando, 2021), Os abismos (poemas, ed. Folheando, 2022), Os desertos (poemas, ed. Folheando, 2023), Os vulcões (poemas, ed. Folheando, 2024), Sol forte na pele (contos, ed. Folheando, 2023) e Óculos escuros (contos, ed. M.inimalismo, 2024). Além disso, mantém o podcast “Paisagens”. Faz parte da antologia "Homem com homem: poesia homoerótica brasileira no século XXI" com organização de Ricardo Domeneck (ed. Ercolano, 2025).





 

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