geometrias no desalento - poema de marcos samuel costa
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Mãe dizia que Tales engoliu
as rosas do jardim
e eu terra podre
mãe dizia que meu coração
era cruel
nos meus pesadelos sempre
sonhava que
beijava um homem lindo
dentro d’água
mas eu não aceitava isso
queria ter sonhos com belas
sereias
seres do mar
sonhar com minha namorada
e nossa primeira vez
mesmo que um certo remédio
tenha que ajudar minha
ereção
ainda assim queria sonhar com
esse dia
com meu pau servindo a sua
natureza
na minha língua-rosa bilíngue
na minha língua-estações lembrando o jardim
a morte do jardineiro
a vida
o cavalo
o jardineiro
deixaram na entrada
do pátio da casa suas
patas
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engoliu as rosas e sumiu
esse meu irmão grandioso
uma rosa lhe caiu
velhas pétalas durando
o meio-dia
velhas pétalas migalhas para
minha inveja
ficarei pela metade
a cada queda
a morada do cavalo
e seu morto
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Cavas desenhos geometrias no desalento
cavalo vestido barro
adornado de chumbo
enriquecido de fosfato
dormem nas profundezas do mundo
os teus desenhos arqueológicos
vazio
esperando para ser possuído
mesmo que as luzes
sejam
chamas esquecidas
Tales, sei que irás encontrar algo novo
trazer para casa
um novo prêmio
toda família virá para te admirar
admirar os artefatos
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minha barba crescia até os meus pés
um cheiro podre vem do meu quarto
mas me recusava te encontrar, Tales,
ver o que trazes nas mãos
vivo no meu ódio
vivo nas trevas do mundo
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calças
largas ao meu corpo magro o cavalo
sem
medo sem medo corre, vão te encontrar, irmão, como no sonho que tive ontem à
noite, um sonho em que via barcos e margens, pessoas e suas fomes de recomeço,
iremos
partir, logo, todos nós: para a morte.
Marcos Samuel Costa nasceu em Ponta de Pedras/Marajó/Pará. É de origem ribeirinha. Foi finalista do Prêmio Mix Literário em 2021 e 2023. Venceu o Prêmio Dalcidio Jurandir 2019 e foi semifinalista do Prêmio Oceanos 2024. Livros publicados: Dentro de um peixe (Romance, ed. Folheando 2019), O cheiro dos homens (IOEPA 2021), No próximo Verão (poemas, ed. Folheando, 2021), Os abismos (poemas, ed. Folheando, 2022), Os desertos (poemas, ed. Folheando, 2023), Os vulcões (poemas, ed. Folheando, 2024), Sol forte na pele (contos, ed. Folheando, 2023) e Óculos escuros (contos, ed. M.inimalismo, 2024). Além disso, mantém o podcast “Paisagens”. Faz parte da antologia "Homem com homem: poesia homoerótica brasileira no século XXI" com organização de Ricardo Domeneck (ed. Ercolano, 2025).


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