desmascarar - crônica de marcos samuel costa
Desmascarar
Mirando profundamente dentro dos meus olhos, querendo de qualquer jeito afetar minha alma, entrar dentro do meu corpo, em raiva e ódio, aquela pessoa disse algo como: “Vou te desmascarar”. E essa frase vem me feito refletir desde então. Pergunto-me, sem nenhum receio, o que viria a ser desmascarar alguém.
Penso que somos pessoas feitas de nossos atos falhos, de erros e acertos na mesma proporção. Em uma equação em que ônus e bônus se equiparam, pois, mesmo tendo em vista as melhores soluções, somos tomados por nossa humanidade, que é feita de atos falhos.
Ao me sentir desmascarado, então, sinto o que sempre venho lidando ao longo desses anos, um misto de esperança e desespero. Lidar com verdade e veracidade, pelo menos de uma maneira profunda, é tatear o abismo. Um fosso que existe dentro de nós mesmos, um arfam sem procedentes.
Sem máscaras, sinto que posso, sem nenhum problema, chorar copiosamente, deixar que tome conta do meu rosto esse mar de ar e sal que mora nos cantos dos meus olhos. Faz tanto tempo que não choro que ando sentindo saudades. O meu psicoterapeuta disse que os medicamentos que eu tomo inibem o choro; segundo ele, é pelo menos o que os pacientes relatam.
A última vez que chorei foi durante um show ouvindo uma música linda que falava algo como: “amar é um deserto e seus temores”. Então, sem máscaras, sinto que meus temores são expostos, junto com o mal que deixei cultivar em mim. Um mar que pensa em vingança, destruição e até mesmo morte.
Mas, sem máscaras, percebo que a fragilidade se mostra, uma doçura que poucos conhecem, afetos que cedo aprendi a trancar. Fui uma adolescente gay e lembro que, numa certa manhã, ainda no fundamental maior, meus amigos de escola me chamaram e falaram que meu hábito de chegar abraçando não era oportuno, não soava bem com as outras pessoas.
E ali percebi que deveria resguardar alguns afetos, que nem toda expressão seria bem-vinda. Olhando agora para esse evento e não apenas para aquele que fui e deixei que revestisse de uma máscara – quase de ferro – peço perdão e o perdoo.
No entanto, voltando à ameaça que me atravessou naquele episódio, sinto um desejo de que as máscaras possam cair, sem medo dos que irão, por ventura, partir, sem medo dos que apontaram os dedos a partir de suas próprias farsas e disfarces, e ciente de que é uma dinâmica correta a ser feita.
O medo tem essa dinâmica do poder sobre nós, e, quando abraçamos o medo, mergulhamos onde nossos algozes querem, mas o oposto é real: quando lidamos com o medo e destituímos dele esse poder, uma manhã clareia em nós com seus tons de ouro e o canto firme dos galos.
Nem tudo é sobre os “outros”, algumas coisas são sobre nós mesmos. E aqui sinto isso, que se trata de procurar vias para lidar com os problemas. Depois de um tempo, percebemos que, para plantar, primeiro precisamos de terra, vasos, tempo e paciência. As flores vêm com o tempo. Cultivo em mim uma pequena esperança de amor-próprio, que as máscaras possam – uma a uma – cair, partir e não me sinta refém do que é mais meu do que do outro.
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