Babel - crônica de marcos samuel costa






        Ontem à noite, no apagar das luzes, descobri uma infestação de cupim-branco em uma das minhas estantes de livros. Havia ido à sala apenas para desligar as luzes e colocar as trancas das janelas; foi quando vi um livro que estava procurando e o tirei. E, quando em mãos, deparei-me com aquilo: os cupins e a sua onda de destruição.

Bateu um nervosismo imediatamente e, conforme ia retirando os livros, ia torcendo por dentro para que os danos, esses mais do que certos pelo que estava vendo, fossem os mínimos possíveis. Assim, fui tirando um livro atrás do outro e colocando em cima de uma mesa auxiliar que uso para os estudos.

Nessa estante era justo onde estava colocando um grupo de leitura que venho reunindo para uma pesquisa futura – livros que trabalham a autoficção ou que têm a própria vida do autor na centralidade da obra. Para além da temática, estavam ali as mais recentes aquisições, as leituras que eram prioridade conforme fosse terminando as anteriores.

Com isso, pelo menos cinco livros foram perda total, e uma dúzia sofreu danos consideráveis. Agora, com mais calma, penso que podem ser livros que posso tentar ir comprando novamente. Talvez essa torre de papel que desmoronou seja, nesse caso, reversível.

Não é a primeira vez que passo por isso, e sei que não será a última. A primeira vez foram aqueles cupins “comuns”, que dão em todo lugar, que fazem aquele caminho com matéria escura e não devoram tanto assim os livros, era por conta da quitinete velha em que morava também. Ela passava muito tempo fechada e sempre acumulava umidade. Atacaram livros e roupas, mas os danos foram menores se comparados a este último.

Dessa vez foram essa espécie de cupim grande, gordinhos e brancos, que amam papel. E digo mais: um prejuízo que envolve questões sentimentais. Sou muito ligado aos meus livros, às minhas leituras, ao contexto em que cada um desses livros entrou na minha vida e ao momento em que os li. Esse conjunto cria a afetividade que perdura.

O que me resta é lamentar e ter mais cuidado. Como escrevi para um amigo quando relatei tal situação: “Fiquei triste, mas creio que aos poucos posso ir recuperando. Cupins são ágeis e cruéis. Mas quem somos nós para não entender suas fomes? Justo nós que derrubamos tudo para construir nossas próprias casas. Diante da natureza, sempre opto pelo silêncio.”

Resta o meu silêncio.




Marcos Samuel Costa nasceu em Ponta de Pedras/Marajó/Pará. É de origem ribeirinha. Foi finalista do Prêmio Mix Literário em 2021 e 2023. Venceu o Prêmio Dalcidio Jurandir 2019 e foi semifinalista do Prêmio Oceanos 2024. Livros publicados: Dentro de um peixe (Romance, ed. Folheando 2019), O cheiro dos homens (IOEPA 2021), No próximo Verão (poemas, ed. Folheando, 2021), Os abismos (poemas, ed. Folheando, 2022), Os desertos (poemas, ed. Folheando, 2023), Os vulcões (poemas, ed. Folheando, 2024), Sol forte na pele (contos, ed. Folheando, 2023) e Óculos escuros (contos, ed. M.inimalismo, 2024). Além disso, mantém o podcast “Paisagens”. Faz parte da antologia "Homem com homem: poesia homoerótica brasileira no século XXI" com organização de Ricardo Domeneck (ed. Ercolano, 2025).




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