4 poemas de marcos samuel costa

 


fotografia de marcos samuel costa


Genealogia:
 
 
ontem assisti um filme
chamado: “Vidas passadas”
foi lançado em janeiro de 2024
 
assisti apenas em fevereiro de 2025
é um filme de Celine Song
 
e Celine é uma cineasta  
sul-coreana-canadense
que mora nos Estados Unidos
 
esse filme parece uma autobiografia
da Celine
 
uma biografia de todos
os que querem
comandar o destino imprevisível da
vida
 
um filme lento
com diálogos profundos
 
um filme que nos faz pensar
que o tempo é um presente
que sempre acabamos perdendo
 
que o destino é um fio
tecido com precisão
e desespero
 
por mãos ansiosas
 
os diálogos do filme
em especial um deles
em que um personagem
pergunta para o outro
 
se aquela era a vida que
a primeira sonhara na infância
 
tomou conta de mim,
quando criança pensava
em ser cineasta
e mal havia assisto a quantidade
de filmes que gostaria
 
me perguntei se essa era a vida
que sempre sonhei
 
não, é melhor e pior do que sonhei
 
me dou conta que não
há uma ideia fixa sobre
qual vida queria ter
 
depois quis
cursar Letras
 
me tornar professor universitário
de literatura
 
mas não cursei Letras
não pesquiso literatura
 
se o tempo é realmente um
presente precioso
 
acho que venho usando
o meu de formas não tão certas
 
as cenas lentas do filme
me levaram para as cenas
não tão lentas
de um filme que vem de mim mesmo
 
cenas lentas de um filme
que percorre três paisagens
 
começa na Coreia do Sul
passa rapidamente pelo Canadá
e se estendo pelos EUA
 
o destino sendo cravado
na pele de uma pedra
 
os primeiros roteiros foram
escritos assim
 
 
 
Rupturas:
 
 

acordei
muito cedo nessa manhã
chovia
 
uma goteira no quarto
 
se transforma em
 
uma inundação no quarto
 
manhã escura
 
em todos os lugares
se noticiam que
a poeta Adília Lopes morreu
 
que morre
um pedaço de terra portuguesa
também
 
e que
 
nasce um punhado de terra adubado
em Portugal
 
pronto para fertilizar a terra
as plantas
os poetas
 
para depois também virarem adubo
 
todos os dias se morre
 
sempre tem esse dia em que se morre
completamente
 
não é necessário medo
mesmo que tivéssemos
 
em nada adiantaria
 
a morte não se importa
 



Totalidade:
 
 

completamente se perde
a visão
o tato
a audição
 
é o que mais nos assusta
 
no corpo rios de sangue
veias
artérias
 
pararam um dia circular em torno da vida
 
uma lua amarga tomará conta do céu
era assim que minha bisa narrava
a morte para minha mãe
 
a lua será tão amarga que caberá
dentro de um pote de xarope  
 
não se pode com o veneno
 
matar os inimigos
afastar pragas
 
formigas
baratas
 grilos
 
uma verdadeira infestação
 
uma lua amarga tomará conta do céu
era assim que minha bisa narrava
a morte para minha mãe
 

 
 
Estudos:
 

 
Mas não falemos apenas de coisas amargas
 
elas também são venenosas e se comportam como
uma semente que também é serpente que
também entra no sangue
 
trabalhar com que nos machucou
com os amigos que não são mais amigos
 
com amigos que agora são inimigos
 
Talvez nenhuma carta escrita
nem um poema
ou nota
sanaram as feridas e o veneno 
 
nada nada disso foi escrito
nada disso importa
 
nada disso irá fazer parte
de um álbum de fotografia
 
muito menos plantará uma árvore
no quintal
 
penso em um longo poema que fale sobre um
poema que fale sobre a morte de Adília Lopes
 
penso na morte de Adília Lopes
penso no medo que eu tenho de morrer
o medo que todos nós temos
 
hoje vi que uma serpente
caminhava na minha
direção e eu caminhei ao seu encontro
 
isso aconteceu 
 
sou uma serpente, tenho veneno
 
percebemos que ambos estavam doentes que
ambos estavam cheio de venenos que
ambos estavam sofrendo
ela não iria me matar e eu não iria matá-la
 
poderíamos nos adoecer
ou nos curar

mas que outra doença
poderia ser pior da que
já estamos enfermos, penso


Marcos Samuel Costa nasceu em Ponta de Pedras/Marajó/Pará. É de origem ribeirinha. Foi finalista do Prêmio Mix Literário em 2021 e 2023. Venceu o Prêmio Dalcidio Jurandir 2019 e foi semifinalista do Prêmio Oceanos 2024. Livros publicados: Dentro de um peixe (Romance, ed. Folheando 2019), O cheiro dos homens (IOEPA 2021), No próximo Verão (poemas, ed. Folheando, 2021), Os abismos (poemas, ed. Folheando, 2022), Os desertos (poemas, ed. Folheando, 2023), Os vulcões (poemas, ed. Folheando, 2024), Sol forte na pele (contos, ed. Folheando, 2023) e Óculos escuros (contos, ed. M.inimalismo, 2024). Além disso, mantém o podcast “Paisagens”. Faz parte da antologia "Homem com homem: poesia homoerótica brasileira no século XXI" com organização de Ricardo Domeneck (ed. Ercolano, 2025).

 

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