Capaz de tudo - conto de marcos samuel costa

 

Egon Schiele, Max Oppenheimer, 1910


Quando eles chegaram, não imaginava que tudo aquilo aconteceria, não imaginava que eles pudessem fazer tudo aquilo que fizeram, e mais ainda, que eu também fosse capaz de tais proezas. Porém, estamos nessa vida para nos surpreender e ser surpreendidos. Estou na segunda latinha de cerveja, olho para eles dois e continuo descrente no que estamos fazendo.

O perfil no Grindr constava que era a dois, ou seja, que duas pessoas queriam fazer sexo a três, e me interessei. Apesar de achar que, no sexo a três, um sempre acaba sobrando, não vejo problemas maiores nisso, gosto de bater uma enquanto os outros dois fodem. Gosto de ver outras pessoas transando, ao vivo, sou voyeur. Iniciei um bate-papo com esse perfil.

Estava sozinho em casa; meu então companheiro havia saído. Estávamos em um lento processo de separação, mais de dez anos de namoro, morando juntos há mais de cinco anos. Nos conhecemos quando eu ainda tinha dezoito anos e ele dezessete. Fui o primeiro namorado de Gabriel, e ele o meu. Mas tanto tempo juntos foi desgastando.

Muitas vezes, temos um cachorro, um pequeno apartamento alugado, falamos por muito tempo sobre adoção, porém, nunca demos um passo para concretizar tal desejo. Assim o tempo foi passando, e fomos amadurecendo. Trabalho, faculdade, rotina, idas e voltas para a academia. Gabriel, sem sombra de dúvidas, é meu melhor amigo, e eu o amo profundamente, mas nosso relacionamento estava desgastado.

Tentamos fazer terapia de casal, mas foi outro desastre. Ali descobri que não estava preparado para lidar com algumas verdades, e, em vez de melhorar, saía daquelas sessões pior, e sentia que piorávamos nossa situação. Então entendemos que o melhor caminho era parar com aquilo. Ele dorme no quarto e eu, na sala, mas fazemos a refeição juntos, conversamos muito, não o sinto como inimigo.

E até estranho acordar de manhã e não o ter em meu dia, não ter sua presença na casa, sua voz falando coisas tolas sobre os famosos do Instagram. Em partes, essa futilidade dele o fazia bem; pelo menos percebia que ele vivia menos estressado que eu. Meu lazer são os livros, documentários sobre arte e fotografia.

Espero ansioso o fim de semana, vou comprar um vinho e tenho certeza de que Gabriel irá topar assistir a algum filme indicado às grandes premiações. Sinto que estou lhe perdendo, mas, ao mesmo tempo, sinto que não iremos nos separar.

Estamos tentando um relacionamento aberto antes de entregar as pontas. Mesmo lhe amando, sei que o nosso tesão está caindo, o meu por ele e o dele por mim. Chegamos a um momento que foi inevitável procurar sexo fora do nosso relacionamento. No entanto, ainda nos amamos, sinto profundamente que sim, que ele me ama e eu o amo.

Nos conhecemos jovens demais, vivemos muita coisa juntos. E estamos aqui agora, passando dos trinta anos, sentindo que perdemos tempo e estamos correndo atrás dele. Ele tem ficado com caras mais maduros, pelo que vi meio que de relance no celular dele. Como sempre, sou meio sem filtro, fico com pessoas que me interessem. Semana passada fiquei com um rapaz de dezenove anos, ainda sem experiência, foi bom, comandei tudo, o demorei na cama. Essa semana peguei um cara mais velho que eu.

No entanto, dessa vez era diferente. Marquei de encontrar com aquele perfil a dois, não mandaram fotos, disseram que na hora eu iria ver. E, se não quisesse curtir, poderíamos beber alguma coisa. Havia acabado de discutir com Gabriel por besteira; ele saiu de casa aborrecido e o movimento no aplicativo estava fraco. Então aceitei essa aventura. Avisei que era apenas ativo, que não curtia dar, mamava se necessário, mas pau no meu cu não rolava. E não rolava mesmo, nunca gostei, dei uma época por obrigação de namoro, mas hoje nem por isso.

Leal disse que eram versáteis.

Avisei que iria tomar um banho e esperar por eles, e que iria pedir cerveja por entrega. Antes de entrar no banho, fiz o pedido. E ele disse que iriam se arrumar, me avisariam quando tivessem saído. Moravam cerca de um quilômetro de distância. Nem perto, nem longe.

Entrei no banho com certa insegurança; na minha cabeça martelava que iria encontrar dois caras que não mandaram fotos suas, apenas nudes. Sem foto de rosto, sem fotografias que pudessem exprimir algo deles dois. A água estava morna, mesmo sendo noite. O dia havia sido muito quente, talvez por isso, ainda morna, tubulações aquecidas.

Ensaboei-me com um sabonete líquido à base de óleos vegetais; queria que minha pele exalasse um bom aroma, tâmara e jasmim-laranja. É meu ritual antes de ir para a cama com alguém diferente. Não demorei no banho, mas ainda lavei o cabelo com shampoo, fiquei mais tranquilo. Não adiantava ficar remoendo aquela discussão, nem esse possível fim de relacionamento.

Quando conheci o Gabriel, éramos tão novos, cheios de sonhos e não tivemos apoio de nossas famílias. Começamos a trabalhar e arrumar nossas vidas, tudo com muita calma e tempo, o aluguel foi pesado no início. Mas fomos vencendo pouco a pouco. Estamos aqui, mais de dez anos juntos. Ele na rua, fazendo qualquer coisa, não sei se bebendo ou fodendo, mas na rua, não importa. Passei-lhe uma mensagem avisando que um carinha iria vir aqui; ele vai demorar, então. E eu aqui, me preparando para dois desconhecidos.

Leal chegou junto com o outro, porém, o que me assustou foi que eles eram idênticos. Não precisei perguntar se eram gêmeos, eu sabia que eram. E eles não precisaram falar. Eram idênticos. Um mais sorridente, outro mais calado. Um com mais atitude e outro mais acanhado.

Peguei uma latinha de cerveja para cada. Entre cada gole de cerveja, trocamos beijos. Primeiro beijava um, depois beijava o outro. Até que demos um beijo triplo. E continuamos nos beijando, nossas roupas foram caindo, caindo e ficamos nus. Eles eram bonitos, deviam ter no máximo uns vinte e poucos anos, magros, altos e com olhos vivíssimos.

Então se beijaram, os dois, os dois irmãos. Fiquei sem reação, me puxaram para eles. Chuparam minhas orelhas, meu pescoço, depois meu peito, eu gemia alto. Então os chupei também, eles se chupavam, me chupavam, estava tão bom. Porém, dois irmãos se beijando era tão estranho. Leal se abaixou e chupou meu pau; Caio também levou o dele até a boca do irmão.

Então levantei e pedi um momento para eles. Fui até a cozinha, nu mesmo, peguei mais três latinhas de cerveja, sabia que era tarde demais, não poderia os mandar embora, e não estava ruim, o que incomodava era o fato de serem irmãos e estarem se pegando na minha frente. Voltei para a sala e dei uma latinha para cada um.

A minha virei quase que de uma vez, precisava de algo que me desse força, eles beberam também. Leal foi o primeiro a se reaproximar, perguntou bem próximo ao meu ouvido, com sua voz sedutora, se não seria melhor irmos para meu quarto. Sim, eu disse que sim, que seria melhor irmos para meu quarto assim que terminássemos essas cervejas.


Marcos Samuel Costa nasceu em Ponta de Pedras/Marajó/Pará. É de origem ribeirinha. Foi finalista do Prêmio Mix Literário em 2021 e 2023. Venceu o Prêmio Dalcidio Jurandir 2019 e foi semifinalista do Prêmio Oceanos 2024. Livros publicados: Dentro de um peixe (Romance, ed. Folheando 2019), O cheiro dos homens (IOEPA 2021), No próximo Verão (poemas, ed. Folheando, 2021), Os abismos (poemas, ed. Folheando, 2022), Os desertos (poemas, ed. Folheando, 2023), Os vulcões (poemas, ed. Folheando, 2024), Sol forte na pele (contos, ed. Folheando, 2023) e Óculos escuros (contos, ed. M.inimalismo, 2024). Além disso, mantém o podcast “Paisagens”. Faz parte da antologia "Homem com homem: poesia homoerótica brasileira no século XXI" com organização de Ricardo Domeneck (ed. Ercolano, 2025).

 

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