dois poemas de marcos samuel costa

(Henry Scott)

Poetas não valem aço 


Poetas sofrem entre o caos e o mar
e fico pensando que ser poeta não significa 
nada no Brasil, não que qualquer um possa ser 
poeta e ganhar uma estátua de bronze 
na cidade de Belém, ou no Rio ou em BH
somente lhe resta a areia do mundo
que dorme na sexta-feira e tem tendência 
para as depressões da terra
acorda no domingo no efeito 
da luz embora as sombras das
dores no canto entoa a voz abismal
do mundo ferido a aço 
enquanto as girafas morrem na savana 
e os pássaros se perdem na migração 
por conta das luzes da cidade
é enorme o abismo que se abre todos os dias
poetas, assim como girafas e
gansos pretos de pescoços longos  
não tem nenhum valor, 
pelo menos não no Brasil, não tem
ainda essa semana fui demitido da prefeitura
da minha cidade, 
da secretaria de cultura,
de nada serve os versos 
que tanto escrevo insone e confuso
não são sementes as palavras que formam 
um poema longo
os livros lidos não trazem inteligência 
não ensinam como se fica rico 
ou como fazer maravilhas com a mente 
não consigo vender perfumes e nem planos de saúde
ou de saúde, odontológicos ou até mesmo joias 
Gullar preferiria vender bananas 
do que parar o seu dia para escrever
um poema longo, um poema sobre precipícios e vícios 
chove durante essa tarde
mas amanhã irei fazer novos planos 
usar meu currículo 
falar na entrevista de emprego que faço poemas
como quem faz milagre, direi:
“minha senhora, 
não é simples escrever um poema
tu sofres, apanhas, é humilhado ou contempla
algo belo demais, mas essa coisa mesmo que 
bela pode doer muito, 
lembro do rosto da minha avó
em seus últimos dias de vida e como aquilo
me fez por anos despertar a inspiração de poesia,
não sei se vais me entender
mas quem escreve um poema caminha
entre os loucos
quem escreve um poema sofre em todo o processo”
voltarei para casa, eu sei que sim, todos os poetas
sabem, carregando um olhar que mistura pena e desprezo 
de nada serve encher laudas
de nada serve escrever um longo poema sobre a frustação 
de ser mais um jovem desempregado nesse país 


Voz


Desenterro da voz um rio brando
calmo como canção sem ritmo
com suas águas cheia de argila o rio caminha
para terras distantes e abundantes de fracassos 
ninguém escreverá sobre a paz de um sonho
talvez as visões da poeta Cecilia Pavón sejam
reais, talvez todos os gays procurem seu paraíso
o peito para descansar a cabeça
um colo masculino para suportar suas tristezas 
mas a vida de um gay é feliz
quem disse que não? Tantas luzes,
brilhos, conquistas, disputas 
avanças, tudo é alegria reparadora  
desenterro da voz o corpo do meu ex-namoro  
que tem gosto de algo amargo, dói 
que é negro e magro, um rapaz bonito
mas que me feriu a ponto de eu não 
o ter em nenhuma rede social, 
ao ponto de ter apagado todos as suas fotos
esse rio do passado que passeia nas 
lembranças tristes 
o rio o trouxe para minha memória
este hombre que es más amargo que el limón al final del trago
mais amargo que o final do drink
enterro na voz o sofrimento de parecer 
todos os dias o membro mais sem função do corpo
da minha casa e da minha família
um membro que faz uma função que não deveria
que não é sua por natureza 
como uma perna que escreve
invés de correr...


Marcos Samuel Costa
poemas escritos em 2021

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