A e G: sem amor, mas com lembranças


eu amava: 
o sinal da entrada toca. eu corro. tenho os minutos. os segundos. no portão, do lado de dentro, fico esperando os meninos chegarem. eles são sempre atrasados. uma mancha no dente. e o outro, bastante caspa. melhores amigos. 
o Farinha era o mais fechado. 
caminhando na areia densa, as sandálias deixavam meus pés sujo. a fruta na árvore. a aula deveria começar. ansioso pelas lições. amo as quintas-feiras, geografia com a professora Luana. os fones nos ouvidos. uma música me tira da terra. sonho. na parede lateral da sala, nossos nomes escritos. Marta e Jr do Carnapijó, Pedro e Letícia, Carlos da GDA e Loira Dispinta. mas os mistérios eram as siglas. M e J, T e R, F e G. eu coloquei o meu, A e G. mas o G gostava da H. e eu dele. sempre passava lá pelas manhãs, eram nossa timeline, por lá sabíamos dos novos casais, de quem gostava de quem. ou quando os amores acabavam. na parede



fui nessa manhã e fiz o mesmo: A e G . aceitei o amor-impossível. cansei de ser trouxa. mentira, sou trouxa até agora aos trinta anos. solteiro, com um namoro virtual e trabalhando como técnico numa rádio local. FM Remanso e Maré. 
quase sete e quinze (horário que fecha o portão) os meninos chegavam. ficávamos um tempinho no bicicletário batendo papo, olhando do muro quem passava na rua. eu conhecia quase todos que passavam. a escola é no meu bairro, pertinho de casa. Tento falar das garotas. Nessa época o Banana já gostava da Paulinha, o Zeroum da Paulinha também e o Farinha gostava deuma menina do bairro dele, o Pulsão. teoricamente eu não gostava de ninguém, e de fato, nenhuma daquele universo me fazia a mente. então passava horas na biblioteca lendo. escrevia cartas para as meninas e elas sempre respondiam a mesma coisa: 
    
na sala de aula - 
1 - a grande bunda da professora 
2 - os alunos com piolho 
3 - os alunos com fome
4 - os alunos com drogas 
5 - os alunos que pensam que querem estudar 
6 - ventiladores quebrados, cadeiras velhas, lixeira quase lixo, quadro negro
7 - pó de diz, nossas futuras doenças 
8 - o falso ensino 

os meninos estudam na MR8.2 e eu MR8.1, dizem que os melhores alunos estão na minha sala. duvido. ela começa a aula: os planetas são formados por massa, a massa é uma porção da matéria, a menor porção da matéria é o átomo. os planetas são sem vida, ah, mas vocês não vão precisar disso quando forem criar seus filhos, vão ter que trabalhar mesmo.

passo a odiar a matéria. passo a odiar ainda mais a professora. 
as horas são carregadas por uma tartaruga. nove horas. 
nove e quinze toca o recreio. corro para pegar merenda. é tanto pau-batendo-bunda, bunda-batendo-pau. os meninos ficam com as mãos na bunda. eu não gostava. tinha asco daquilo. era o calor. um cheiro ruim. a copa ficava entre os dois banheiros: WC M e o WC F. merendávamos aquele risoto ruim, sentindo cheiro de merda. 

no pátio da escola: 

1 - árvores 
2 - gente fresca 
3 - povo que se acha muito
4 - mini-burgueses (pobres)
5 - caras de bunda
6 - e os otários - sou dos otários. sair da escola sem beijar na boca. 

tinha que esperar até quinze para o meio-dia para sair. falava pouco em sala. meu último ano. lembro do Filipinho e o Gabriel, dois primos, eu era apaixonado pelo Gabi, e o Lipe dizia sentir algo por mim, nem um nem outro. eu mentia para meus amigos. dizia que era apaixonado pela Clara da 30 de Abril, mas eles questionavam que não sabiam que era, eu enrolava. escriva cartas. dizia que pensava muito nela. mentira. dormia e acordava pensando no Gabi: a lenda dizia que antes da chuva das quinze um amor impossível iria tornar-se real, era preciso jogar uma flor vermelha na correnteza de um córrego e repeti: 

         "meu amor, no coração 
           um flecha, um perdão,  
           trago-o para mim que 
           sou bobão" 

tentei... várias flores. nenhum amor!


marcos samuel costa - prosa2018

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