quatro poemas sobre paixão - marcos samuel costa

 








Antígona

 

 

1
 
faz pausar as grades
entre as sombras das jaulas
luas
à tarde
flexível amável respirava
sem respiração
 
 
2
 
 
faz pousar o diafragma
acima das cercas
enfrentar os medos
e a boca dizer:
“esse é meu amor”
amar igual
se ama quando
se encontra
o homem amado
 
 
3
 
 
lemos Antígona
juntos
a voz dele
crescendo no meu quarto
deitado sobre
meu corpo
 
 
4
 
 
passa encher
minha boca do beijo
não posso acreditar
que será nas baladas que
vou te esquecer
que será nessa cidade
que não vou te encontrar
 
 
5
 
 
nessas paredes que
tristes me olham
habitam as lembranças
nesse chão imoderado
teus passos
meus pesadelos.



Rapsódia

 


Não mais
como o desconhecido
do primeiro sexo
que vagava entre tímidos
beijos
 
disse ontem
"era só uma ficada 
rápida
e estou aqui lavando
a tua louça
lhe aguardando no
meu silêncio"
 
agora o homem
das cotidianas noites
sexo frequente
 
feito com amor
 
lava as louças
na pia de cueca
esquenta o meu
sono que antes
era de gelo



Cantiga silvestre

 

Amado, me recuso
a sonhar os teus
sonhos
sejam em prata
ou líquido
 
antes da primavera
ou durante o verão
 
me recuso a seguir
teus rastros
tua carne que exala
espuma do mar
 
sorrateiramente tu cortas
a espada de São Jorge
do quintal
e a rouba para ti
como se levasse meu
 
próprio braço
tu me dizias conversar
 
com os meus tajás
que minha língua
te lembrava o amor
a terra


Ninguém ama como Tristão e Isolda

 

Para Rafael Pereira Moareis

Na vaga rosa morta que voa
no ar empoeirado do reino,
chega aos pés do Imperador
o único e verdadeiro júbilo
 
O amor em seu peito é vasto
de verde amora, lilases peras
quase podre, no jarros de ouro,
de outro, de Tristão, todo seu amor
 
O imperador Marcos o ama, deseja
sua carne remota na areia da noite,
sob a teia de seu maior monstro,
deseja ardentemente seu sobrinho
 
As árvores que floreiam, estão mortas,
as águas do mar chegam vazias,
sintéticas, cheias de rimas
e um canto longo e melancólico
 
Mas ele olha pela janela seu amado,
olha pela porta de sua vaga
lembrança, Tristão deitado
na praia, longe do mar
 
Mas ninguém ama como
Tristão e Isolda,
ninguém ama como eles...
O coração de Marcos sabe.
 
Perto das pedras as rosas,
que florescem são pedras lisas,
ametistas e granitos brilhosos.
 
Mas ninguém ama como
Tristão e Isolda.

 

 




Marcos Samuel Costa é natural de Ponta de Pedras, Ilha de Marajó (Pará). É um dos principais autores de sua geração, conquistando importantes prêmios em sua carreira literário. Ganhou o prêmio Dalcídio Jurandir, com o romance "O cheiro dos homens". Foi finalista do Prêmio Mix Literário em 2021 com o livro de poemas "No próximo verão", este vencedor do Prêmio Literatura e Fechadura, e em 2023 com "Os desertos" também semifinalista do Prêmios Oceanos 2024. Além disso, venceu o Prêmio Uirapuru de literatura 2021 e foi jurado do Prêmio SESC de literatura em 2021 na categoria contos.

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