A FOGUEIRA DE SÃO JOÃO - marcos samuel costa

Série "Pardo é Papel", de Maxwell Alexandre (Foto: Divulgação) — Foto: Vogue


A FOGUEIRA DE SÃO JOÃO

 


    A cerca em cima da terra, terra em cima das raízes, raízes que os envolvem mutuamente, e mutuamente são envolvidos com os resquícios de amores passados — a água corre rapidamente. Houve entre dois anônimos, a possibilidade de amor-eterno, mas a palavra eterna por si só era grande demais, suas escolaridades eram rasas, houve dúvidas de escrita e entonação. A poesia que corrói a maldade não existia neles, no dia da extrema unção estavam na roça, cavando poços, desbulhando frutos vivos, ressoando diante dos irmãos as tonalidades oblíquas. Poderiam amar sim! Como poderia amar o instrumento que tornava real suas vidas, amor pelo facão, enxada... Amor é tão estranho como comidas caras em mesas pobres. Não vou dá-lhes nomes, o nome carrega obrigações, se pudesse diria logo a verdade — um deles sou eu. E nós éramos dois, dois garotos de pernas finas, olhos fundos, pensamentos longe, com um mesmo destino — sofrer. Direi de tantas noites passadas juntos ao breu da solidão, cada um em seu mundo, mas com ligações que uniam. Corro agora, neste instante, quebro todas aquelas samambaias de pura raiva, saio de entre as raízes e corro atrás desse amor de verdade, mas não. Não posso, tenho mulher e filhos em casa, e ele mulher e filhos na sua casa, vive ele pois, enterrado assim como eu em si mesmo. Naquela tarde, em frente ao antigo igarapé dos desatinados, batizávamos, lhe dei um nome feminino e ele a mim, Lia e Iolanda, riamos sem parar, eternamente riamos, um do outro, riamos, éramos agora garotas cheias de sonhos, mas que não deixávamos de ser garotos que nós amávamos. Mas tudo durou pouco, no outro dia, garotos outra vez. Uma lição de carne doía em nossas peles, chegava o tempo das festas juninas, com quem iriamos pular fogueira? Jura aquém amor? Partilhar a maçã do amor? Ou nem as comer? Fizemos nossa própria fogueira, chamamos os bichos e os infelizes a festejar conosco, pulamos juntos a fogueira de São João, mãos dadas, palavras juntas — eu sempre vou te amar, vou casar contigo.





Marcos Samuel Costa é natural de Ponta de Pedras, Ilha de Marajó (Pará). É um dos principais autores de sua geração, conquistando importantes prêmios em sua carreira literário. Ganhou o prêmio Dalcídio Jurandir, com o romance "O cheiro dos homens". Foi finalista do Prêmio Mix Literário em 2021 com o livro de poemas "No próximo verão", este vencedor do Prêmio Literatura e Fechadura, e em 2023 com "Os desertos" também semifinalista do Prêmios Oceanos 2024. Além disso, venceu o Prêmio Uirapuru de literatura 2021 e foi jurado do Prêmio SESC de literatura em 2021 na categoria contos.

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