Sentimento de solidão - Marcos Samuel Costa
Sentimento de solidão
Foi a primeira vez que
fui numa boca de fumo. Encontrei com o Andrei em um pub da cidade, estava
lotado, muitos jovens reunidos, o espaço era pequeno, muito pequeno na verdade,
eu e minha amiga quando chegamos tivemos que ficar em pé. Depois Andrei chamou
para sua mesa, ele estava com a namorada, estavam tomando cerveja. Sentamos com
eles. Conheci Andrei por conta de colegas em comum. Tivemos uma fase que saíamos
muito, estávamos sempre em festas, passeios, encontros comumente regados com
álcool e drogas. Mas nos últimos tempos andávamos afastado, não por nada, ele
se afastou das festas, e eu comecei a trabalhar muito.
Também fazia algum tempo
que não saia com minha amiga Suelen, com amigo nenhum. Na verdade, que não
sabia na verdade, estava trancado no meu sofrimento. Com a experiência da
depressão não conseguia sair para festas, bares e encontros com amigos. E quando
ia não conseguia me conectar com o ambiente, com as pessoas e queria voltar
para casa, deitar, talvez ler ou me masturbar antes de dormir. Estava sempre em
casa, no meu quarto, numa rotina quase metódica:
Trabalhar todas as manhãs
e todas as tardes
Malhar todas as noites
Arrumar a cozinha e lavar
as louças sempre que possível
Ir no supermercado
comprar frutas e legumes, um esforço desumano para manter a dieta
Fazer a psicoterapia,
tomar os medicamentos psiquiátricos, ir na nutricionista e fora de casa parecer
perfeitamente bem-centrado, um cara jovem de sucesso
Esperar o fim de semana
para lavar o banheiro, limpar a casa e lavar roupas e arruma alguma brecha
nesse tempo para cuidar do jardim, o amor não cabia nessa rotina de dor.
Mas estava então em um
pub, a música era quase sempre muito machista, falando sempre de forma
pejorativa das mulheres, com uma batida divertida, precisava abandonar o
crítico que me habitava, pedi um drink chamado Negrone, feito com gin e
rum, fiquei com o gosto de rum na boca, aquele gosta amargo, mas bom. Estava
feliz por ter ido, por estar ali, por, mesmo que aos poucos, consegui beber
novamente, consegui sair e ficar numa espécie de festa, querer mais e mais.
Andrei passou do meu lado
para ir ao banheiro e perguntei se ele arrumaria uma massa para nós
naquela noite, lhe expliquei que estava precisando naquela noite, ele respondeu
que claro que sim, que era fácil. E realmente, ele conhecia as fontes, sabia
dos movimentos. Quando conheci o Andrei, ele tinha dezessete anos e eu vinte e
sete, mas ele parecia bem mais entrosado com o mundo, mas esperto,
já fumava e bebia bastante quando nos conhecemos. E trabalhava num barco, vez
ou outra sumia por conta disso, estava viajando como tripulante em um barco que
ia comprar açaí no Mocoões para revender. Agora ele estava diferente, me disse
ter feito dezenove anos e eu disse ter vinte e nove, mas ele ainda parecia mais
maduro que eu para as questões da vida.
Quase uma hora depois ele
disse de onde estava sentado, vamos lá ver a parada, mano, demorei para
entender. Lembrei, disse que sim. Descemos as escadas do pub, estava
chuviscando, peguei a moto, perguntei para onde íamos, ele disse que para o
bairro dele, então dirigi para lá. Chovia fraco e estava um pouco frio. No
caminho ele disse, Mário, então não tens saído, e eu expliquei que não, que
estava lutando contra depressão, que não tinha ânimo para nada, essas coisas,
não entrei em mais detalhes. Andrei falou alguma coisa sobre ter a si mesmo, me
disse que nessas horas é bom pegar uma moto, comprar três cigarros e meio
pacote de cerveja e ir nem que seja para a praia, ficar sozinho, “escutar tua
música no celular mesmo”. Ele disse, com muita ênfase, Mário, essa porra de
depressão é uma merda, tem que procurar lutar contra esse sentimento de
solidão, saber aprender a ficar consigo mesmo, estar sozinho. Pois, querendo ou
não, não temos de verdade os outros, mas temos a nós mesmos.
Entramos no bairro onde
ele mora, perguntei onde para onde deveríamos ir agora, ele disse> “está
vendo aquele cara sem camisa”, disse que sim, ele disse que era lá. Quando chegamos
ele falou com o Cara-sem-camisa e seguimos um pouco mais para frente,
estacionei a moto na frente de uma casa e fiquei esperando, dei o dinheiro para
ele e ele comprou a nossa massa. Não demorou e o Cara-sem-camisa desceu
com um pequeno embrulho e deu para ele. Andrei abriu e pegou um pedaço que
guardanapo que preferiu chamar de seda, e derramou a massa, com a ponta
dos dedos ia esfarelando com muita delicadeza aquilo que parecia palha, rápido
um cigarro nascia em sua mão. O Cara-sem-camisa perguntou se ele queria mel,
não entendi, pensei que poderia ser alguma metáfora ou código, mas não, era mel
mesmo. O Cara-sem-camisa disse que não fumava mais uma sem mel.
Andrei perguntou onde
iriamos fumar, eu disse que não sabia, ele disse que podíamos fumar do lado de
uma casa que ficava ali perto, segundo ele era só quebrar para o lado, disse
que sim, que poderia ser. Pelo que entendi o Cara-sem-camisa ia, como diz o
Andrei, dar na massa junto conosco. Ficamos esperando-o, ele subiu para
vestir uma camisa e dali, ia para o pub também. Entendi que não se fumava
uma sozinho, era algo coletivo e assim se estreitavam as amizades.
O cara que agora estava
com camisa e que passou ter nome, James, desceu a caminhamos para o lado da
casa, mas estava muito claro e parecia ter gente, voltamos e fumamos do lado da
casa do James. Ele me disse para ficar mais para dentro, para o escuro, para
não ser visto, ele disse algo sobre ser público, pensei que soubesse que sou
professor. Nisso chegou uma travesti que foi minha colega na infância e que até
hoje ainda falava com ela, e também ia fumar conosco e não vi problema nisso.
Eles ficaram na beira da rua mesmo e eu numa parte escura encostado na parede.
Não demorou muito, acabou
rápido e corremos por conta da chuva, voltamos para o pub, James veio conosco.
A namorada do Andrei estava perceptivelmente aborrecida. Fiquei pensando nas
coisas que o Andrei tinha dito sobre ficar sozinho e ter sua própria companhia.
Eu não sabia ter minha companhia e tinha medo de ficar sozinho comigo mesmo,
eram tantos os pensamentos, tantas coisas que passavam na minha cabeça. Às vezes
queria apenas gritar, gritar muito alto, apenas gritar, mas nem isso conseguia,
sento que estava padronizado nesse perfil de sanidade, de eficiência e eficácia,
não me sentia permitido a errar. Eu era o professor aqui, todas as manhãs
metodicamente falo nas salas do sexto ano que o Brasil foi invadido, que a
colonização ainda nos causava mal até os dias de hoje. Penso o quanto eu sou
incapaz disso, de sair sozinho e beber, de ir numa restaurante sem companhia ou
algo parecido, o quanto deixava essa ideia de solidão tomar conta de mim. A
brisa da massa ainda demorou bastante para bater, mas senti meus músculos que
estavam tensos ficarem leves e dancei com tranquilidade.
Esse texto fez eu refletir bastante e sentir coisas.
ResponderExcluirAgradeço por terem escrito esse texto. Ele expressa e representa o meu entendimento a respeito do assunto. É muito oportuno e esclarecedor, para o contexto atual.
ResponderExcluirObrigada!