A frutífera juventude - Conto
(para alguém que amei)
"Nada em mim foi covarde, nem mesmo as desistências: desistir, ainda que não pareça, foi meu grande gesto de coragem."
Os amigos estavam
reunidos. Um dia de praia. Casa na praia. A praia ao alcance de nossos pés, de
nossos lábios, desejos animalescos e frenéticos. No quintal da casa-de-praia
muitas árvores. Ele estava lá, e eu o ama. Uma piscina suja e cheia de folhas
podres e imundices. Éramos tão jovens e cheios de desejos. A casa era grande,
vários quartos, sala, banheiros nos quartos, cozinha e sala-de-jantar, muitas
plantas, vasos e orquídeas. Vento forte, dia nublado, pouco sol, maré-baixa. Ele
estava lá e eu o ama com uma saudade estranha, uma dor quase que suave, mas
ainda assim, dolorosa. Levava meus olhos até os lábios dele, quase roxos,
salientes e vivos. Eu desejava seu rosto de índio, sua pele parda, cabelo ralo
e liso. Na pele da areia. Nos pelos do segredo. Quarto silencioso. Debaixo do short,
a sorte. A fruta. Bananas excitadíssimas. A frutífera juventude.
Formos os primeiros a
chegar, logo cedo, bem breves e amanhecidos, Paula já estava lá, a casa era
dela, eu, Lucas, Pedro, Lara e Matheus, os primeiros. Era a primeira vez que eu
iria dormir fora casa, assim na casa de amigos, onde apenas jovens estariam,
sem nenhum adulto, apenas nós, minha mãe estava aborrecida e não queria me
deixar ir. Lucas estava distante, mas próximo, eu podia sentir. Já namorávamos há
três meses, mas ele e a Paula já estavam juntos há um ano, e eu era amigo da
Paula. Paula não sabia de nós, e eu o amava. Ela o amava. Queria chegar e
beijar a Paula.
– Eu quero beijar tua boca.
Mas nós dois só falávamos
de poesia, ela lia os livros e me emprestava, eu lia outros livros e emprestava
para ela. Falávamos de escrever algo juntos. Das noites na Arábia, dos mistérios
dos desertos. Gente pequena, mistérios. Ela me contava sempre como seu primo
morreu, numa noite de chuva, pescando na praia. Era noite, ele e um
amigo foram pescar, havia algum segredo entre eles, algum mistério antigo,
brigas inexplicadas. Apenas um morreu, o outro se salvou, havia chuva, vento,
ondas altas e alguma briga contida num litro de cachaça, algum toque de bola mal
dado, alguma penetração mal feita, sem carinho ou paciência, ternura e afeto,
não sei, faço ideia, o primo dela morreu, foram vários dias de procura, até que
conseguiram fisgá-lo numa linha-de-mão. O anzol preso em seu pênis. Tudo isso
ela me contou, apenas um sobreviveu. Era nosso destino, eu nem me dava conta
disso. Nosso destino.
Ele era professor, e eu e
ela nadica de nada. Eu ainda no ensino médio e ela tentando os vestibulares da
vida. Pedras. Pedregulho. Na areia.
O dia foi de praia, na
praia, na casa de Paula. Depois do meio-dia o restante dos meninos chegara,
João e Felipe, e a Flora, que também morava na praia, mas não veio cedo. Faltavam
só dois amigos, que antes das duas horas apareçam, deixaram suas coisas no quarto e
sumiram na praia, e acredito que para fazer amor. A metade dos meninos eram evangélicos,
não havia nenhum álcool entre nós, o que nos alterava era o amor, o ciúme, a
juventude e o sexo. As tramas. A aranha preta estava debaixo dos panos.
A noite estava muito
escura e chovia um pouco. Estava frio. Um som na sala, músicas agitadas e
dançantes, mas de vez em quando, algo lento tocava, alguma música com solo de
sax, e eu pensava nele, que estava no quarto com a Paula, ela com a cabeça em
sua barriga, ele lendo algo para ela. E o livro era meu. Eles se amam, e eu
odiava, me odiava muito, odiava tudo aquilo.
Em silêncio, antes da
última música tocar, enquanto todos na cozinha faziam o jantar, eu sair. Peguei
meu destino. Seguir meus passos, chovia, fazia frio, estava escuro, mas o pior
mesmo eu sentia dentro de mim, uma total solidão entre ruínas.
– Mãaaae, abre a porta aqui – disse gritando.
Marcos Samuel Costa - prosa-2019
❤️
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