(Des)tarde 02

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qual era sua idade? não lembro, passa dos quarenta e cinco. cabelos brancos, liso e sempre bem penteados. uma maçã era seu signo no transporte coletivo. havia uma pasta preta, lisa e cheia. caminhava entre ossos e cartilagem de peixes, o ossos poderiam ser de panteras vermelhas ou de um cachorro de esquina. nosso primeiro encontro foi no subsolo do Castanheira. eu estava sem o dinheiro da passagem do busão. liso. outra vez liso. pagava inteira. estudava no interior. um manta de penas caia. não. não foi isso. chovia naquela tarde em ananindeua. da casa de minha tia, onde eu me hospedava, via os garotos do outro lado da rua fumando maconha. ela dizia: "nunca encara eles, e nem olha, se não vão pensar que tu é x9". o sinal do telefone sumiu. ele me disse: "tem muito concreto aqui". e de fato, tudo muito concreto. suas veias azuis que transparência na sua pele branca. disse uma vez: "quando fui estudar na frança, todos pensavam que eu era de lá mesmo". fez um obséquio, mandou eu escolher algo do cardápio. disse a moça do atendimento: "um bolo de maracujá e um lata de tuchaua". pior combinação da minha vida. mas era meu sonho comer aquelas coisas caras de vitrine chique. meus pés estavam frios, minhas sandálias desgastadas, minha roupa era monstruosamente cafona e mal combinada. meu cabelo um terror. feio. mas havia algo bom na minha juventude. algo errado na minha postura. um troco empenhado de sensações nas minhas costas. um rótulo de imbecil na testa. tinha acabado de completar dezoito anos. visceral - sentia que poderia ter o que dizer. enfrente dele não passava de um moleque. dessaber no desmoronamento dos afetos. subimos as escolas, caminhamos no capitalismo e pisávamos nas cinzas de marx. um peixe veio até o ponteiro. fazia-se logo desfeito? ele sabia malograr cardumes? ganhei uma camisa que outro dia queimei sem querer com o ferro elétrico. voltei para casa, fiz um miojo para jantar e dormir com fome.










marcos samuel costa - prosa2018
não é ninguém e não sabe ser bicho.

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