Homens mais velhos e outros contos de Marcos Samuel Costa
Veias
Não lembro qual era sua idade, seu
peso, a cor dos seus olhos quando morriam na noite escura, quase nada mais,
passava dos quarenta, disso tenho certeza. cabelos brancos, lisos e sempre bem
penteados. uma maçã era seu signo no transporte coletivo. havia uma pasta
preta, cheia. caminhava entre ossos e cartilagem de peixes, os ossos poderiam
ser de panteras-vermelhas ou de um cachorro-de-esquina. nosso primeiro encontro
foi no subsolo do shopping Castanheira. eu estava sem o dinheiro da
passagem do ônibus, mas cheguei lá. Ele chupou meu pau no banheiro e me deu
dinheiro, para o ônibus, para uma roupa nova e para o lanche.
E outra coisa que não vale a pena
o sinal do telefone sumiu. ele me disse: "tem muito concreto aqui". e de fato, tudo muito concreto. meus pés estavam frios, minhas sandálias desgastadas, minha roupa era monstruosamente cafona e mal combinadas. meu cabelo um terror. feio. mas havia algo bom na minha juventude, para ele pelo menos, para aquele homem que paga por um boquete. algo errado na minha postura. um troco empenhado de sensações nas minhas costas. um rótulo de imbecil na testa. tinha acabado de completar dezoito anos. visceral - sentia que poderia ter o que dizer, mas não dizia, o deixa me humilhar em todos os encontros.
Homens mais velhos
na frente dele não passava de um
moleque. dessaber no desmoronamento dos afetos, mata no chão, mandou depilar
meu pau, cortar unhas, cabelos e pelos do corpo. subimos as escadas, caminhávamos
nas cinzas. um peixe veio até o ponteiro. se fazia logo desfeito. ele sabia
malograr cardumes. ganhei uma camisa que outro dia, queimei sem querer com o
ferro elétrico. voltei para casa, fiz um miojo para jantar e dormir com fome.
Exílio sem
viagem
Eduardo caiu em si. via uma caixa
preta: dentro um gato transparente. engolia a água enquanto crescia a evolução
dentro da garganta. colmeias de bacilos encherichia
coli. Mouro decretava a prisão de Lula. ligo para Eduardo, me proponho ao
exílio, lhe convido a atravessar fronteiras, sair desse país estranho. não por
carinho, quero fugir de um amor que degrada meus fígados! tomo vodca para
começar o meu dia, ele sempre dizia e depois ria para mim, com tanto afeto
“Lucas, a gente é nosso espaço, a luta é aqui”, mas eu sentia medo, e ele
sabia. triste perfume azedo, bromidrose. sou também um micro-organismo que
busca buracos profundos para si. existências famintas. sem pés e mãos. andarei.
no andar das cabras, teu canto sem voz. um vento.
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