Conto de Marcos Samuel Costa



 A proeza do voo


De repente passamos a nos amar em silêncio, nas chamas, no pecado. Talvez seja isso, uma melancólica, uma fruta no peito a germinar de forma tão tensa. As chamas queimam nossas línguas, essas molhadas, transbordantes de mar e unção. Me sinto tão bicho, um cão, bravio, buscando teus sinais, teu gozo, teu sexo, afundados nas águas mais profundas da minha vida. Na água em que tudo termina. Um cão farejando, sem nunca encontrar: essas águas do teu gozo que tanto me transbordou. 

No teu olhar de José havia algo meu, algo de maldade, lealdade. Éramos unidos por um sentimento comum, amor. Arredios aos outros, mas unidos entre nossos afetos. Não era a mágoa, nem a solidão, nem só o medo que nos movia para a fantasia da nossa união, daquilo que chamávamos de nossa vida, não era só saudade da proteção daquele teto, daquela morada, era só tua presença que me alegrava, sinto isso com mais certeza agora. 

O mundo lá fora, a luz do dia, a umidade da noite, os respingos da chuva tudo só fazia sentido contigo. 

O santuário, a fé, aos poucos nos ensinava como perdê-la, de forma rápida. Lembro do primeiro cigarro que atravessou os muros da imaculada senhora de todos, José. Deitados com a cara no chão. Cada um fazia sua viagem, sua oração. O azulejo era tímido e recolhia-se com medo de nossos pecados. De início éramos todos retraídos e profundos, não sabíamos viver longe dos olhares de quem de fato sabia resistir o inimigo. 

Na mesa da cozinha um vaso de flor, tu que me trouxe essa planta para mim, José, te dei uma xícara, preta com detalhes azuis. No nosso quarto que passamos a morar depois da saímos do mosteiro, mesmo tudo sendo calor e doloroso, esses detalhes me alegravam, doía-nos ter na pele uma chama lilás e violenta. Mediante – então nos violentávamos a ter de arrancar dos ossos a cor pálida. Era o kit-net B, duma vila quase alfabética, mas ninguém sabia sequer o nome um dos outros, mas era lá, só lá que tínhamos um abrigo, nossa casa, José. 

Quando o tempo fechava e as chuvas tombavam sobre Belém e as baratas saiam dos buracos e assolavam aquele ambiente. Sentia tudo girar em torno de ti também José, mas quem virá a salvar-te? Dizer para ti que o grande dia é vindo? Largamos tudo para cá estamos, uma santa fé. A batina ainda pesa na tua consciência a noite? Deitas de forma confortável tua cabeça sobre o chão frio da noite? Chega. Digo não aos teus pelos roçando minha carne. Não aos teus dias de vida diante de minha morte de realidades. Tuas mãos sobem até meu cabelo, te abraço com amor, José. 

O seminário era grande. Havia a maior perdição de todas dentro daquele muro. O fanatismo. Na madrugada todos eram acordados a missa. Meu pênis dentro da vestimenta sagrada sangrava. E como tronco vivo, era firme. Jogava-me ao chão, de rosto no pó descrevia em forma de oração tudo que em mim era abominável, Santo pai de misericórdia afastai-me de mim nessas horas em que esqueço de ser o outro, imagem e semelhança e torno-me eu mesmo, sem reflexo e maldades, não faço bem meu papel, não vivo bem minhas mentiras, não são tão hipócrita como deveria ser, me perdoe, pois o bem, o bem é superior e eterno. Graça te dou...

Sentia quando minha mente se perdia. Eram muitas palavras a se confundir, José. Na sala de estudos, um dia um irmão descreveu seu sonho. Nele, algo ruim vinha lhe pegar, mas ele conseguia a proeza do voo, mas nunca ultrapassava o porte de luz da rua, e a coisa ruim ficava tentando lhe pegar, estava numa altura fora de alcance da beste. Mas ainda assim era viva a ameaça. O Padre superior lhe disse naquele dia, Tuas orações não têm chegado até Deus, tens que fazer mais, buscar mais... Elas te ajudam, mas ainda não é o suficiente.  

Dei-me conta que nunca tivera sido ouvido por Deus e que minhas orações eram quase em sem razões.

Faz cerca de um ano completo que não falo com ninguém de casa, que estamos morando aqui e vivendo de dar aulas particulares. Faz quase um ano que não sei mais o que é o ajoelhar-me para a prosperidade da alma e elevação do espírito. A carne anda suja. A sugar as andarilhas verdades.   

Foi numa dessas madrugadas de punhetas silenciosas no teu quarto José, que nos aproximamos ainda mais. Sua cama era próxima. Tu vias a movimentação. Não disse nada. Também tirou o seu para fora e começou os movimentos de agitação. Crescia o prazer em sua mão. Pude ver seu rosto a se fazer também parte do sexo solitário. Foi quando nos percebemos e os lenções caíram de sobre a gente. Seus pelos envoltos na barriga, pele branca e pênis volumoso, tu me olhavas com alegria e safadeza. Avançamos ainda mais nos limites do pecado. Pulei para sua casa. A felicidade. Tantas outras noites nessa rotina. 

Existir hoje entre todas essas coisas é estranho, mas te amar é perfeito, José. 


Marcos Samuel Costa 



Comentários

Postagens mais visitadas