Há uma dança




A imagem pode conter: Marcos Samuel Costa, em pé, céu, oceano, cão, atividades ao ar livre, natureza e água


“O teu nome está inscrito na parte mais úmida de meus testículos suados”
Ferreira Gullar


Fazia um frio extremo na madrugada, aliás nem estava tão frio assim, era a sessão de ser madrugada. Eu estava pronto, vestido com uma bermuda e camisa branca, sapatos velhos. Assim saia de casa. Estava escuro, só com uma pequena luz vindo lenda no horizonte. E deus o perdoava. Dentro da noite fazia uma chuva escura. Choveu em tonalidade fatais, mas naquele momento o céu estava estrelado. Os dentes se batiam uns contra os outros. Tremia-se, fremia-se. Não era pelo frio, era por outra coisa, que nem ele conseguia dizer o que era. Saiu cedo, levantou com a decisão de nunca mais voltar.
Próximo de completar os três anos que saíra de casa. Desistirá da procura da permissão de Deus, de seu consentimento, de início seus afetos eram verdes, sonhava em morar noutro país. Imaginava as coisas mais simples e descrevia num caderno marca d’água seus relatos e planejamento. Tudo. Nada era dele naquela chuva. Do escurecer da noite restará pouco, tinha o restante de sol do dia, porém dentro de si tudo continuava um breu. Resgatara a traiçoeira ilusão de sair limpo das brincadeiras da noite, debaixo do quinto poste, conferido do início da rua até o local, havia uma vara de estender roupas, e era de lá que via o mundo. Desta vez não descia lágrimas de medo. Medo grande do novo. As lágrimas que lhe tiraram de casa, sentiam saudades de seu rosto e por isso queria lhe salgar a face novamente. A baía fremia, bradava ódio e como se tivesse a brincar com os tripulantes e os passageiros, empurravam-lhes para todos os lados. Há uma dança para pés descalços, outra para os pés calçados com sandálias velhas, a dele era para quem perderá a direção do andar. Naufragava pungentemente nas praias densas. Luzente farsa. Sem disfarce agora tinha que carregar os olhares dos outros, de quem ficou distante de seus sonhos. Lá fora já amanhecia.
O dia nascia bonito. O dia já era real. Iodo nas feridas abertas, o lodo dos vermes lhe cercava. Mas esse não era seu destino. Era o seu triste destino. O destino feliz ainda não tinha chego e por isso contentara-se com esse. Pedro lhe mandou mensagem –  “Bom dia amor”, visualizou e não respondeu. Esperava o Uber próximo à praça do Carmo, guardou o celular no cós. Seguiu seu curso, o senhor que diria o carro era um pouco velho, dizia algumas frases sem nexo. Colocou Amy Winehouse para tocar. Outra mensagem chega, “Você já está em Belém”, foi quando respondeu que sim, que já estava. Confuso após ter seu coração magoado num baque, respondeu as mensagens de Pedro.
 – Amor? Responde amor.
 – Oi... Preciso te dizer algo.
 – Diga.
– As mãos do mundo pesam sobre quem ama, sabia? Já tentou amar com bastante verdade? Viu como dói? Como é terrível? Dois homens se amando, mesmo que no segredo, mesmo que na essência do distante, é um punhal contra o coração magoado das pessoas, pessoas são tristes, pessoas são más. Eu te amo, sabia? Eu te amo muito e sinto que isso fere o mundo com tamanha violência, violação. Quero sumir.

 – Amor? Como é possível tanta maldade? Não faça nenhuma besteira por favor.

Thiago parou de responder. Pedro ficou muito preocupado. O silêncio servia como um certo anúncio.

Quando chegou, lá estava Pedro na porta de sua casa lhe esperando. Fazia sol. Queimavam as tonalidades de seus cabelos. Os dois se olharam. Caiu uma flor dentro dos olhos, as lágrimas ameaçaram. Conheceram-se nas redes sociais. A adrenalina de se amar. O primeiro encontro foi no Bosque Rodrigues Alves entre a fauna e a flora amazônica. Como animais ferozes se amavam entre os troncos quietos e silenciosos. Naquele pequeno quadrado de floresta no coração da cidade. Todo e qualquer movimento humano vazia eco – então seus beijos abalava a sonoridade daquela cidade. Eram três horas da tarde, vinha a chuva. Os trovoes. O som. Verde. Distante escutavam vozes ecoando entre as folhas secas. Poderia existir ali mesmo a solução para o amor primitivo. Há uma dança nos corpos. O abraço intensificava-se, movimentos das mãos com sensualidade. Uma folha. O tronco silencioso. Primitivos.

Nas mãos Pedro trazia pasteis-de-forno, sabia que seu amado amava. Abraçaram-se com muita intensidade porque fazia-se necessário. Era preciso fazer acalmar as agitadas ondas. O cais seguro. O outro aos poucos era resgatado da tempestade. No peito deitava-se. Fazia-se preciso a intensidade. Entraram juntos na casa. Era necessário fazer-se valer do amor. Sem vestimentas tornavam-se uma tempestade. Dois homens primitivos. O dia amanhecia com luzes radiantes. Deus deixou um bilhete em cima da cama dizendo que era na vida que existia o amor. Arrumaram-se por dentro. E entenderam que estavam prontos para viver.














Marcos Samuel Costa nasceu dia 07/12/1994 em Ponta de Pedras, Ilha de Marajó, Pará, Amazônia brasileira. Atualmente mora em Belém do Pará e cursa Serviço Social na Universidade Federal do Pará. Publicou alguns livros de poemas, entre eles: Uma semana de poesia (Ed. Penalux, 2016), Sentimentos de um século 21 (Ed. Multifoco, 2014), Semblantes de nós (coautoria com Ana Meireles, Ed. Folheando, 2018) e o infantil: Memórias quase póstumas de um pato, livro infantil escrito em parceria com Miriam Hanna Daher. Publicou em diversas revistas, como: G.u.e.t.o., mallarmargens e marinatambalo, publicou também em mais de 20 antologias literárias entre elas: I, II, III & IV Anuário da Poesia Paraense. Faz parte da equipe Editorial do Jornal Crescendo, onde assina a matéria de capa e a coluna de crônicas infantis. Marcos escreve poesia, contos, crônicas e romances.






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