Há uma dança
“O teu nome está
inscrito na parte mais úmida de meus testículos suados”
Ferreira Gullar
Fazia um frio extremo na
madrugada, aliás nem estava tão frio assim, era a sessão de ser madrugada. Eu
estava pronto, vestido com uma bermuda e camisa branca, sapatos velhos. Assim
saia de casa. Estava escuro, só com uma pequena luz vindo lenda no horizonte. E
deus o perdoava. Dentro da noite fazia uma chuva escura. Choveu em tonalidade
fatais, mas naquele momento o céu estava estrelado. Os dentes se batiam uns
contra os outros. Tremia-se, fremia-se. Não era pelo frio, era por outra coisa,
que nem ele conseguia dizer o que era. Saiu cedo, levantou com a decisão de
nunca mais voltar.
Próximo de completar os
três anos que saíra de casa. Desistirá da procura da permissão de Deus, de seu
consentimento, de início seus afetos eram verdes, sonhava em morar noutro país.
Imaginava as coisas mais simples e descrevia num caderno marca d’água seus
relatos e planejamento. Tudo. Nada era dele naquela chuva. Do escurecer da
noite restará pouco, tinha o restante de sol do dia, porém dentro de si tudo
continuava um breu. Resgatara a traiçoeira ilusão de sair limpo das
brincadeiras da noite, debaixo do quinto poste, conferido do início da rua até
o local, havia uma vara de estender roupas, e era de lá que via o mundo. Desta
vez não descia lágrimas de medo. Medo grande do novo. As lágrimas que lhe
tiraram de casa, sentiam saudades de seu rosto e por isso queria lhe salgar a
face novamente. A baía fremia, bradava ódio e como se tivesse a brincar com os
tripulantes e os passageiros, empurravam-lhes para todos os lados. Há uma dança
para pés descalços, outra para os pés calçados com sandálias velhas, a dele era
para quem perderá a direção do andar. Naufragava pungentemente nas praias
densas. Luzente farsa. Sem disfarce agora tinha que carregar os olhares dos
outros, de quem ficou distante de seus sonhos. Lá fora já amanhecia.
O dia nascia bonito. O
dia já era real. Iodo nas feridas abertas, o lodo dos vermes lhe cercava. Mas
esse não era seu destino. Era o seu triste destino. O destino feliz ainda não
tinha chego e por isso contentara-se com esse. Pedro lhe mandou mensagem – “Bom dia amor”, visualizou e não respondeu.
Esperava o Uber próximo à praça do Carmo, guardou o celular no cós. Seguiu seu
curso, o senhor que diria o carro era um pouco velho, dizia algumas frases sem
nexo. Colocou Amy Winehouse para tocar. Outra mensagem chega, “Você já está em
Belém”, foi quando respondeu que sim, que já estava. Confuso após ter seu
coração magoado num baque, respondeu as mensagens de Pedro.
– Amor? Responde amor.
– Oi... Preciso te dizer algo.
– Diga.
–
As mãos do mundo pesam sobre quem ama, sabia? Já tentou amar com bastante
verdade? Viu como dói? Como é terrível? Dois homens se amando, mesmo que no
segredo, mesmo que na essência do distante, é um punhal contra o coração
magoado das pessoas, pessoas são tristes, pessoas são más. Eu te amo, sabia? Eu
te amo muito e sinto que isso fere o mundo com tamanha violência, violação.
Quero sumir.
– Amor? Como é possível tanta maldade? Não
faça nenhuma besteira por favor.
Thiago
parou de responder. Pedro ficou muito preocupado. O silêncio servia como um
certo anúncio.
Quando
chegou, lá estava Pedro na porta de sua casa lhe esperando. Fazia sol.
Queimavam as tonalidades de seus cabelos. Os dois se olharam. Caiu uma flor
dentro dos olhos, as lágrimas ameaçaram. Conheceram-se nas redes sociais. A
adrenalina de se amar. O primeiro encontro foi no Bosque Rodrigues Alves entre
a fauna e a flora amazônica. Como animais ferozes se amavam entre os troncos
quietos e silenciosos. Naquele pequeno quadrado de floresta no coração da
cidade. Todo e qualquer movimento humano vazia eco – então seus beijos abalava
a sonoridade daquela cidade. Eram três horas da tarde, vinha a chuva. Os
trovoes. O som. Verde. Distante escutavam vozes ecoando entre as folhas secas. Poderia
existir ali mesmo a solução para o amor primitivo. Há uma dança nos corpos. O
abraço intensificava-se, movimentos das mãos com sensualidade. Uma folha. O
tronco silencioso. Primitivos.
Nas
mãos Pedro trazia pasteis-de-forno, sabia que seu amado amava. Abraçaram-se com
muita intensidade porque fazia-se necessário. Era preciso fazer acalmar as
agitadas ondas. O cais seguro. O outro aos poucos era resgatado da tempestade.
No peito deitava-se. Fazia-se preciso a intensidade. Entraram juntos na casa. Era
necessário fazer-se valer do amor. Sem vestimentas tornavam-se uma tempestade.
Dois homens primitivos. O dia amanhecia com luzes radiantes. Deus deixou um
bilhete em cima da cama dizendo que era na vida que existia o amor.
Arrumaram-se por dentro. E entenderam que estavam prontos para viver.
Marcos Samuel Costa nasceu dia
07/12/1994 em Ponta de Pedras, Ilha de Marajó, Pará, Amazônia brasileira.
Atualmente mora em Belém do Pará e cursa Serviço Social na Universidade Federal
do Pará. Publicou alguns livros de poemas, entre eles: Uma semana de poesia
(Ed. Penalux, 2016), Sentimentos de um século 21 (Ed. Multifoco, 2014),
Semblantes de nós (coautoria com Ana Meireles, Ed. Folheando, 2018) e o
infantil: Memórias quase póstumas de um pato, livro infantil escrito em
parceria com Miriam Hanna Daher. Publicou em diversas revistas, como:
G.u.e.t.o., mallarmargens e marinatambalo, publicou também em mais de 20
antologias literárias entre elas: I, II, III & IV Anuário da Poesia
Paraense. Faz parte da equipe Editorial do Jornal Crescendo, onde assina a
matéria de capa e a coluna de crônicas infantis. Marcos escreve poesia, contos,
crônicas e romances.
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